Curta no Facebook!

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Meu relato de parto

    Laura: o caminho curto ou o longo? O fácil ou o trabalhoso? Com emoção ou sem emoção? 

   Muitas mulheres têm muito medo da dor do parto. Dizem por aí que é a maior dor que alguém pode sentir na vida (?). Eu, felizmente, não ligo muito para a dor. Acho que a dor, física ou emocional, é necessária para reflexão, crescimento, passagem. Grandes movimentos da vida doem. Mexem com a gente. Nos tiram da nossa zona de conforto.

    "Você vai saber quando estiver parindo." Uma das grandes dúvidas das grávidas de primeira viagem é em relação ao começo do trabalho de parto. Contrações, dorezinhas. Viradas da Lua. Entretanto, a verdade é dita: quando ele começa, dá para saber. E outra verdade: quando ele acaba, você mal se lembra do que aconteceu.



    Chateada com a cesariana marcada (leia aqui), que aconteceria em menos de 24h, fui dormir no meu último dia de gravidez. Guilherme dormiu logo; eu permaneci acordada. Depois de semanas de caminhadas, tentativas, comidas estranhas e simpatias, nada parecia acordar a Stella para o seu próprio nascimento. Para que eu parisse, ela precisaria querer nascer. Entretanto, algo (intuição? Instinto?) me fez tomar uma atitude estranha naquela noite. Peguei um copo e tirei algo como 40 ml do meu próprio colostro (uma quantidade enorme). Gastei mais de uma hora fazendo isso. Tudo bem, eu não tinha sono. Terminei e consegui fechar os olhos para dormir. 
    Às 4 da manhã, senti a primeira contração com dor. 
   Eu sabia o que era. Nós sabemos. Fiquei surpresa. Estava escuro e eu estava ainda dormindo, então, não pensei muito naquele momento. Guilherme acordou às 7h para trabalhar, como sempre, e eu fiquei ali, deitada, sentindo puxões no útero. 
  Tive o começo do conflito - almoço direito ou assumo que estou sentindo dor? Vivo o meu dia normalmente? É isso mesmo? E se o meu lindo parto normal estiver chegando ? A palavra pródromo me soava como um sonho... 
    Falei com a minha médica, que me disse que provavelmente seria o parto (sim, eu sabia). Me disse para ir ao Hospital do Amparo, onde eu seria examinada horas depois por ela, quando chegasse de seu plantão. Ainda pensando, eu me vi numa armadilha. Toda a equipe da cesariana estaria pronta para a minha chegada às 17h naquele hospital; ela chegaria às 20h para me operar (morrer com hora marcada é justo? E nascer?). O hospital era sabidamente preparado para cesarianas e tampouco tinha uma sala própria para parto normal. Meu Deus. Se eu fosse, provavelmente seria encaminhada para a cirurgia. Imagine se uma equipe de cesariana vai "gastar o seu tempo" para ver se o parto vai ser normal ou provocado. Eu chegaria, seria anestesiada e pronto. E dane-se o seu lindo parto normal. 
    O conflito estava armado. 
   A irmã do Guilherme é Diana Schneider, doula reconhecida entre as cariocas. Eu nunca quis me apoiar sobre a sua condição (inclusive porque um parto humanizado com equipe é bem caro), mas precisava pensar com calma sobre o que eu faria. Se eu quisesse parto normal, senti que não seria com aquela médica do plano, muito menos naquele Hospital do Amparo. Gui chamou a irmã, que veio pronta e animadamente (fazer o parto da sobrinha era o que ela queria todo o tempo, hehe). Sim, era parto. Eu já estava com 2cm de dilatação. Àquele ponto, há 22 anos atrás, minha mãe já estava no hospital para que eu nascesse. Nenhum dos presentes tinha ido além daquele ponto. 
    Então... esperar. Diana me falou para dormir enquanto dava. A dor era plenamente suportável - quando vinha uma contração, eu simplesmente me calava e respirava com calma. Só que, ops, eram tipo 14h da tarde e precisávamos saber se vamos para o Amparo. Ou para onde. Honestamente, eu estava morta de vergonha de ligar para a médica e dizer que estava tudo desmarcado (estava tudo desmarcado?! É mesmo? E aí? Vou parir em casa? Aonde?). Desmarcar era o mais positivo para mim e Stella (e eu não faria cesariana, yes!), mas era um franco tiro no escuro. Como eu confiava na minha saúde, no meu corpo, na minha capacidade de não estragar tudo. Diana é doula, mas precisaria de uma equipe (com um obstetra, um pediatra de parto, etc). Afinal, Diana e seu endosso ligaram para a médica. E eu afinal me lancei na escuridão do parto normal. Em poucas horas estaria num lugar totalmente desconhecido. (Se eu fosse mais velha, mais medrosa ou menos abusada, acho que não teria decidido por isso...)
   Pude descansar, finalmente, embora as contrações já não me deixassem dormir. Mandei Guilherme e Diana irem dar uma volta e fiquei em casa com a minha mãe. Segundo a doula, ali começou o parto em si, com contrações mais ritmadas. A noite foi caindo. Há mais de 12 horas sentia coisas cada vez mais intensas.
Sem me dar conta, entrei num silencioso vale escuro. Isso era diferente do que eu havia pensado. Imaginei que pariria ouvindo música, mas tudo o que eu queria era o nada. Dormia entre as contrações. Quando acordava, contava até 100. Apesar da dor já forte, eu não pensava em nada específico - essa seria a partolândia
   Para os entendidos de parto natural, a descarga de ocitocina - o mesmo hormônio do sexo ou da amamentação, ligado ao prazer e à felicidade - vem a cada contração. Ela torna tudo mais possível e até interessante. Parir dá uma espécie de barato hormonal. Naquele ponto, no conforto da minha cama, no silêncio do meu quarto, parir era possível
    Finalmente fui para o meu primeiro banho, já com 3cm de dilatação. Que delícia. A água quente caía sobre a minha barriga, e esse era o único som. Diana me falou para ficar de pé, mas não resistir a me sentar no chuveiro. No total, foram três banhos longos de cabeça em casa. A água abatia a dor, e eu tinha forças para continuar. Por mim, ficaria até o final debaixo do chuveiro, mas Diana falou que isso poderia desacelerar a dilatação do meu corpo. 
   Naquele ponto, as pessoas na minha casa - Guilherme, Diana, minha mãe - já não apareciam mais. Silêncio e lua cheia. Ao sair de cada banho, ia para a cama, de cabelos molhados. Brevemente entrei num ciclo estranho de tremedeiras e muito frio, momento no qual eu já não respondia mais por mim. 
Quando a dor começou a realmente me cansar, traçou-se o destino das coisas: iríamos para o Hospital Santa Lúcia, com uma sala de parto normal. A médica seria a Gabriela Andrews, da equipe da Diana - ela estava desocupada no momento (qué dizê: fiquei meses procurando um médico "de confiança" para no final confiar plenamente em alguém que nem conhecia). 
  Embora eu já quisesse alguma anestesia, Diana me deixou em casa por (quantas mais?) horas sobressalentes. Quando saímos de casa para o hospital, eu estava com 6cm de dilatação, às 2h da manhã, 22 horas depois. 
    Ao chegar no hospital, algo muito lindo me atingiu - no meio de tantas contrações, senti uma enorme sensação de vitória. Eu estava parindo num hospital legal, com uma equipe humanizada. Stella estava perto. Senti algo que só tinha sentido uma vez na vida, quando viajei sozinha para o meu intercâmbio em Buenos Aires (de onde escrevi meu primeiro livro publicado). Durante alguns minutos, estive à beira das lágrimas pensando no êxito atingido. Uma sensação de filme. Depois de tudo, tudo, eu estava ali
   Subimos e eu voltei ao banho quente, embora as contrações já estivessem me incomodando. Ao sair do banho, uma água quente me escorreu pelas pernas - ué? Mas não era peixe, não era; era Iemanjá, rainha! A bolsa! Até tinha me esquecido dela. 
    A verdade é que a hora mais dolorosa de tudo isso foi a analgesia, com 7cm de dilatação. Uma dose de peridural para sentir as contrações, mas sem cólicas - perder a sensação do que estava acontecendo poderia me confundir para o momento de fazer força. 3 da manhã. O pior momento foi me deitar na maca para receber a picada nas costas (depois de todos os banhos, deitar em posição fetal foi terrível). Entre as picadas e a dor passar, passaram por mim 3 intermináveis contrações doloridérrimas. 
   Até que aaah, passou tudo! Que sensação engraçada. Ainda sentia puxões na barriga, mas nada doía. Bateu uma onda forte de ocitocina. Sem a dor, sobrou só a animação. Eu, que sou quieta e na minha, me vi jogando conversa fora com a anestesista. Diana achava graça e me dizia para tentar descansar. Todos saíram da sala, inclusive o Guilherme. Ficamos só eu e a doula dando um estranho cochilo durante os meus 8cm de dilatação. Embora a anestesia tivesse más recomendações, foi o que "terminou" o meu trabalho de parto - pude relaxar e dormir enquanto meu corpo fazia força por mim. 
    Por volta de 5h20, acordei com uma forte dor. Parecia que eu ia explodir. Fiquei por alguns minutos meio perdida, sem saber o que fazer. Diana me examinou e disse que Stella estava muito perto e a dilatação já estava completa. Correu para chamar a Gabriela e o Guilherme. Aquela dor me assustava, mas logo entendi que era melhor acabar com ela do que continuar daquele jeito. A piada do pintinho explodindo vinha à minha cabeça sem parar. Quando vinha uma contração, a dor do expulsivo serviria justamente para empurrar a Stella, que já estava ali. Finalmente entendi para onde deveria empurrar e empurrei. Quantas vezes? Não sei. Três ou quatro. Ou seis. Sei lá. Foi tudo muito rápido. Com uma forte ardência, Stella nasceu às 5:37, com 49 cm e 3,150 kg. Parir é engraçado - um processo extremamente molhado que queima como brasa. Apesar disso, eu não tive laceração alguma - e nem episiotomia, cruzes. Pronta pra outra. 
    Deslizando como um peixinho, lá veio ela, Stella. Urrava tanto quanto eu. Meu corpo abraçou aquele corpo pequenininho e forte. Olhei suas mãozinhas, finas como papel, e senti o peso das 41 semanas passando por mim como um alívio. Guilherme disse que nessa hora toda a feição de dor passou e eu dei um sorriso profundo e inspirado. Poucos minutos depois ela estava mamando. Ficamos ali por algum tempo, nos olhando. Foi Guilherme quem cortou o cordão. E foi a Stella quem quis nascer, 25 horas depois, numa noite de meio de semana, com lua cheia e plena no céu. 
     A onda da ocitocina ainda durou algumas horas, nas quais não dormi - queria só falar, falar e falar. Diana disse que foi um "partaço" - o que seria um partinho, então? 

    A dor do parto? Lembro de horas seguidas de contrações que começavam com cólicas e iam até as costas. Lembro que elas cresciam. Lembro que me cansavam. Entretanto, a mágica de parir está nos intervalos entre essas dores. Uma contração dura algo em torno de um minuto de dor; depois desse minuto, é como se nada tivesse acontecido. Imagine uma grande dor, mas com pausas e descansos (eu queria que todas as dores fossem como essa!). Eu dormi várias vezes já em trabalho de parto. A dor vinha, eu contava até cem, ela passava. Dor? É claro que há dor. Mas o parto é como o mar: a dor vem, chega, aperta, e vai embora. A dor é uma onda. Cada onda não volta mais. Cada onda é uma a menos. Uma mais perto. O parto é dor boa. É a dor da vinda. É a dor da mudança, do acontecimento. E o melhor: a dor vai embora depois de tudo. Há dores que duram dias, meses, anos - essa, no meu caso, durou 25 horas. Depois, é só história para contar. Ali foi o início do maior amor do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário