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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A indústria do parto

    O post de hoje pode ser um pouco controverso. Gostaria de, antecipadamente, pedir desculpas caso algum dos leitores se sinta ofendido por alguma coisa. 

     Nasci de parto normal. Minha mãe conta que no dia em que completou 38 semanas de gestação, 5 de janeiro, ela não teve uma noite muito confortável. Pela manhã, ligou para o obstetra. Foi ao hospital escolhido por ela e, ao chegar, tinha 2 cm de dilatação. Às 15:22, eu nasci. Segundo a minha mãe, ela não sentiu dor física alguma. O parto foi tranquilo e sem complicações.
    Quando eu engravidei "de assalto", 21 anos depois, fiquei me sentindo culpada porque não haveria tempo hábil para mudar o plano de saúde. Tenho um bom plano e sou paciente de diversos bons médicos, mas logo entendemos que não se faria um parto normal com este suporte. Se eu quisesse um parto normal, haveria duas opções: o SUS ou um parto particular.
    O que parecia uma busca inicial preguiçosa se revelou uma realidade cruel. Durante as 41 semanas em que estive grávida, passei por muitos médicos (mais de 10, além do pré-natal no SUS), e a grande maioria me dizia que não fazia parto normal. O que é chamado "normal" se torna um desafio para muitas mães que simplesmente querem parir. 
   Surge a grande (e aparentemente, muito vantajosa (?)) opção: o parto de cesariana. É mais rápido, é menos trabalhoso. Parir? Parto normal? Não, isso é até perigoso. Vamos de cesariana, vai levar menos de uma hora e você vai ter sua filha nos braços! 
     Aos poucos, eu, no alto dos meus 21 anos, fui entendendo essa louca relação cultural e industrial que se criou em torno do ato de parir. Fui entendendo que: 

  • Há a cesariana de emergência, louvável e importantíssima, que salva mãe e bebê;
  • Há a cesariana eletiva, aquela que infelizmente é tão praticada por uma tríade (logo explico!) de elementos que fazem com que a mulher não acredite que é capaz de parir. No sistema particular, 8 em cada 10 partos são cesarianas. Isso quer dizer que 8 em 10 bebês correm o risco de nascerem fora de seu tempo, em condições que não são ideais para a saúde. 8 em cada 10 mulheres estarão marcadas para sempre com uma cirurgia invasiva, de barriga aberta;
  • Há o parto normal, feito por médicos em hospitais, conhecido como parto frank. Sabe aquelas pessoas que dizem que o parto é a maior dor que uma pessoa pode sentir na vida? (mentira!) Um parto que é via vaginal, mas, é realizado com uma série de procedimentos muitas vezes desnecessários. É muitas vezes aquele no qual a violência obstétrica acontece. A todas que sofreram desta violência, meus profundos sentimentos. O parto é uma coisa maravilhosa e nunca deveria ser realizado com descaso e agressão. Paro e penso - se entre violência obstétrica e cesariana, eu não teria feito 10 cesarianas? Sim. Procedimentos como episiotomias são comuns para muitos obstetras. O tal do sorinho com ocitocina é o que faz o parto doer tanto (a ocitocina sintética força contrações. O processo que deveria acontecer naturalmente é acelerado - contrações com intervalos menores fazem a dor chegar ao insuportável). Além disso, o desrespeito, a impaciência e até xingamentos não são muito incomuns aos meus ouvidos;
  • E, aaah, finalmente! Há o parto "humanizado". É triste que ele precise deste nome. É triste que mulheres sejam afastadas daquilo que poderiam fazer de maneira perfeita. O parto humanizado é aquele com o mínimo de procedimentos desnecessários. Ele é feito com respeito, procurando entender o que seria melhor à parturiente. Ele pode ser feito no hospital ou até em casa, depende do que for eleito pela família. Eu tive um parto humanizado e 25 horas desde a primeira contração dolorosa e o final - e, francamente, tatuagens já doeram mais. Depois eu conto.
Amém.

     Talvez o fato de que tantos partos frank sejam realizados impulsione essa indústria das cesarianas. Se as mulheres tivessem a certeza de um parto normal bom e somente positivo, as coisas poderiam não estar como estão atualmente no Brasil. O cenário é mais ou menos assim:

  • Planos de saúde pagam pouco aos médicos, sejam eles de quaisquer especialidades. Seja para atendimentos em consultório ou procedimentos, a conta acaba sempre por não fechar como se esperava. Para se dedicar a um bom parto normal, uma equipe precisa de pelo menos algumas horas - o plano de saúde pagará estas horas? Valerá a pena realizar partos normais? 
  • Os médicos, sabendo da questão financeira, se profissionalizam na cesariana. A grande maioria dos obstetras particulares só querem fazê-la - é mais rápida, é atualmente mais comum, é mais previsível. Com uma cesariana marcada, um médico consegue ter o tempo que quiser, aparecendo só na hora necessária. Feriados e até finais de semana são poupados. Dias antes da Copa do Mundo, centenas de cesarianas foram realizadas em hospitais - aqueles bebês estavam mesmo prontos para nascer? 
  • E, por fim, os próprios hospitais vão na onda. Na relação de oferta e demanda, poucos têm salas de parto normal - salas com chuveiros, piscininhas, bolas de pilates (enfim, para se parir, espaço é uma boa pedida). No hospital em que eu pari, havia uma sala de parto normal. Em diversos nos quais eu estive, não havia sequer uma. Foi difícil encontrar uma soma boa de médico, hospital e plano de saúde.
      E assim vai o ciclo.
     As mulheres, influenciadas por comentários negativos sobre o parto normal e pressionadas pela indústria da cesariana, acabam se decidindo por uma cesariana. E se dizem muito, muito satisfeitas no final. Afinal, parto normal é uma coisa ultrapassada. Parto normal alarga a mulher. Parto normal? Coisa de maluca, ficar ali, gritando e suando por horas. Sentir dor? Eu morro de medo de dor (dizem as tatuadas). Acontece que, nessas meias verdades, os bebês se prejudicam. Inúmeras são as vantagens de nascer no tempo previsto, de maneira voluntária. No fim, parir é até fácil perto de toda a busca que fizemos atrás das melhores condições para fazer algo natural, que todas as criaturas fazem.
   O que eu tinha medo (e ainda tenho) é de, pasmem, cesariana. Eu não quis operar, entendam. Não quis que me abrissem e me arrancassem um bebê de dentro de mim. Não quis carregar uma cicatriz já aos 22 anos. Morria de medo de - ah! - um dia acordar e me dirigir ao hospital, porque aquele seria o dia do nascimento da minha filha. Isso, para mim, é absolutamente aterrador. Sou muito ansiosa. Acho que eu ficaria semanas sem dormir pensando sobre como poderia ser. Quando eu fui para o hospital, já estava com 6cm de dilatação e sem medo algum - como sentir medo se a onda da ocitocina já começou há muito tempo?
    Espero que, com os anos, os hospitais voltem a apresentar condições decentes para partos normais. Que os médicos reaprendam a fazer partos e que busquem isso em suas carreiras, pelo bem dos bebês (eles, enquanto conhecedores do assunto, deveriam ser os primeiros a defender as vantagens de um PN). Que os planos de saúde mudem todo esse sistema corrompido. Que as mulheres reencontrem a vontade e o poder de parir.

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