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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Meu relato de parto

    Laura: o caminho curto ou o longo? O fácil ou o trabalhoso? Com emoção ou sem emoção? 

   Muitas mulheres têm muito medo da dor do parto. Dizem por aí que é a maior dor que alguém pode sentir na vida (?). Eu, felizmente, não ligo muito para a dor. Acho que a dor, física ou emocional, é necessária para reflexão, crescimento, passagem. Grandes movimentos da vida doem. Mexem com a gente. Nos tiram da nossa zona de conforto.

    "Você vai saber quando estiver parindo." Uma das grandes dúvidas das grávidas de primeira viagem é em relação ao começo do trabalho de parto. Contrações, dorezinhas. Viradas da Lua. Entretanto, a verdade é dita: quando ele começa, dá para saber. E outra verdade: quando ele acaba, você mal se lembra do que aconteceu.



    Chateada com a cesariana marcada (leia aqui), que aconteceria em menos de 24h, fui dormir no meu último dia de gravidez. Guilherme dormiu logo; eu permaneci acordada. Depois de semanas de caminhadas, tentativas, comidas estranhas e simpatias, nada parecia acordar a Stella para o seu próprio nascimento. Para que eu parisse, ela precisaria querer nascer. Entretanto, algo (intuição? Instinto?) me fez tomar uma atitude estranha naquela noite. Peguei um copo e tirei algo como 40 ml do meu próprio colostro (uma quantidade enorme). Gastei mais de uma hora fazendo isso. Tudo bem, eu não tinha sono. Terminei e consegui fechar os olhos para dormir. 
    Às 4 da manhã, senti a primeira contração com dor. 
   Eu sabia o que era. Nós sabemos. Fiquei surpresa. Estava escuro e eu estava ainda dormindo, então, não pensei muito naquele momento. Guilherme acordou às 7h para trabalhar, como sempre, e eu fiquei ali, deitada, sentindo puxões no útero. 
  Tive o começo do conflito - almoço direito ou assumo que estou sentindo dor? Vivo o meu dia normalmente? É isso mesmo? E se o meu lindo parto normal estiver chegando ? A palavra pródromo me soava como um sonho... 
    Falei com a minha médica, que me disse que provavelmente seria o parto (sim, eu sabia). Me disse para ir ao Hospital do Amparo, onde eu seria examinada horas depois por ela, quando chegasse de seu plantão. Ainda pensando, eu me vi numa armadilha. Toda a equipe da cesariana estaria pronta para a minha chegada às 17h naquele hospital; ela chegaria às 20h para me operar (morrer com hora marcada é justo? E nascer?). O hospital era sabidamente preparado para cesarianas e tampouco tinha uma sala própria para parto normal. Meu Deus. Se eu fosse, provavelmente seria encaminhada para a cirurgia. Imagine se uma equipe de cesariana vai "gastar o seu tempo" para ver se o parto vai ser normal ou provocado. Eu chegaria, seria anestesiada e pronto. E dane-se o seu lindo parto normal. 
    O conflito estava armado. 
   A irmã do Guilherme é Diana Schneider, doula reconhecida entre as cariocas. Eu nunca quis me apoiar sobre a sua condição (inclusive porque um parto humanizado com equipe é bem caro), mas precisava pensar com calma sobre o que eu faria. Se eu quisesse parto normal, senti que não seria com aquela médica do plano, muito menos naquele Hospital do Amparo. Gui chamou a irmã, que veio pronta e animadamente (fazer o parto da sobrinha era o que ela queria todo o tempo, hehe). Sim, era parto. Eu já estava com 2cm de dilatação. Àquele ponto, há 22 anos atrás, minha mãe já estava no hospital para que eu nascesse. Nenhum dos presentes tinha ido além daquele ponto. 
    Então... esperar. Diana me falou para dormir enquanto dava. A dor era plenamente suportável - quando vinha uma contração, eu simplesmente me calava e respirava com calma. Só que, ops, eram tipo 14h da tarde e precisávamos saber se vamos para o Amparo. Ou para onde. Honestamente, eu estava morta de vergonha de ligar para a médica e dizer que estava tudo desmarcado (estava tudo desmarcado?! É mesmo? E aí? Vou parir em casa? Aonde?). Desmarcar era o mais positivo para mim e Stella (e eu não faria cesariana, yes!), mas era um franco tiro no escuro. Como eu confiava na minha saúde, no meu corpo, na minha capacidade de não estragar tudo. Diana é doula, mas precisaria de uma equipe (com um obstetra, um pediatra de parto, etc). Afinal, Diana e seu endosso ligaram para a médica. E eu afinal me lancei na escuridão do parto normal. Em poucas horas estaria num lugar totalmente desconhecido. (Se eu fosse mais velha, mais medrosa ou menos abusada, acho que não teria decidido por isso...)
   Pude descansar, finalmente, embora as contrações já não me deixassem dormir. Mandei Guilherme e Diana irem dar uma volta e fiquei em casa com a minha mãe. Segundo a doula, ali começou o parto em si, com contrações mais ritmadas. A noite foi caindo. Há mais de 12 horas sentia coisas cada vez mais intensas.
Sem me dar conta, entrei num silencioso vale escuro. Isso era diferente do que eu havia pensado. Imaginei que pariria ouvindo música, mas tudo o que eu queria era o nada. Dormia entre as contrações. Quando acordava, contava até 100. Apesar da dor já forte, eu não pensava em nada específico - essa seria a partolândia
   Para os entendidos de parto natural, a descarga de ocitocina - o mesmo hormônio do sexo ou da amamentação, ligado ao prazer e à felicidade - vem a cada contração. Ela torna tudo mais possível e até interessante. Parir dá uma espécie de barato hormonal. Naquele ponto, no conforto da minha cama, no silêncio do meu quarto, parir era possível
    Finalmente fui para o meu primeiro banho, já com 3cm de dilatação. Que delícia. A água quente caía sobre a minha barriga, e esse era o único som. Diana me falou para ficar de pé, mas não resistir a me sentar no chuveiro. No total, foram três banhos longos de cabeça em casa. A água abatia a dor, e eu tinha forças para continuar. Por mim, ficaria até o final debaixo do chuveiro, mas Diana falou que isso poderia desacelerar a dilatação do meu corpo. 
   Naquele ponto, as pessoas na minha casa - Guilherme, Diana, minha mãe - já não apareciam mais. Silêncio e lua cheia. Ao sair de cada banho, ia para a cama, de cabelos molhados. Brevemente entrei num ciclo estranho de tremedeiras e muito frio, momento no qual eu já não respondia mais por mim. 
Quando a dor começou a realmente me cansar, traçou-se o destino das coisas: iríamos para o Hospital Santa Lúcia, com uma sala de parto normal. A médica seria a Gabriela Andrews, da equipe da Diana - ela estava desocupada no momento (qué dizê: fiquei meses procurando um médico "de confiança" para no final confiar plenamente em alguém que nem conhecia). 
  Embora eu já quisesse alguma anestesia, Diana me deixou em casa por (quantas mais?) horas sobressalentes. Quando saímos de casa para o hospital, eu estava com 6cm de dilatação, às 2h da manhã, 22 horas depois. 
    Ao chegar no hospital, algo muito lindo me atingiu - no meio de tantas contrações, senti uma enorme sensação de vitória. Eu estava parindo num hospital legal, com uma equipe humanizada. Stella estava perto. Senti algo que só tinha sentido uma vez na vida, quando viajei sozinha para o meu intercâmbio em Buenos Aires (de onde escrevi meu primeiro livro publicado). Durante alguns minutos, estive à beira das lágrimas pensando no êxito atingido. Uma sensação de filme. Depois de tudo, tudo, eu estava ali
   Subimos e eu voltei ao banho quente, embora as contrações já estivessem me incomodando. Ao sair do banho, uma água quente me escorreu pelas pernas - ué? Mas não era peixe, não era; era Iemanjá, rainha! A bolsa! Até tinha me esquecido dela. 
    A verdade é que a hora mais dolorosa de tudo isso foi a analgesia, com 7cm de dilatação. Uma dose de peridural para sentir as contrações, mas sem cólicas - perder a sensação do que estava acontecendo poderia me confundir para o momento de fazer força. 3 da manhã. O pior momento foi me deitar na maca para receber a picada nas costas (depois de todos os banhos, deitar em posição fetal foi terrível). Entre as picadas e a dor passar, passaram por mim 3 intermináveis contrações doloridérrimas. 
   Até que aaah, passou tudo! Que sensação engraçada. Ainda sentia puxões na barriga, mas nada doía. Bateu uma onda forte de ocitocina. Sem a dor, sobrou só a animação. Eu, que sou quieta e na minha, me vi jogando conversa fora com a anestesista. Diana achava graça e me dizia para tentar descansar. Todos saíram da sala, inclusive o Guilherme. Ficamos só eu e a doula dando um estranho cochilo durante os meus 8cm de dilatação. Embora a anestesia tivesse más recomendações, foi o que "terminou" o meu trabalho de parto - pude relaxar e dormir enquanto meu corpo fazia força por mim. 
    Por volta de 5h20, acordei com uma forte dor. Parecia que eu ia explodir. Fiquei por alguns minutos meio perdida, sem saber o que fazer. Diana me examinou e disse que Stella estava muito perto e a dilatação já estava completa. Correu para chamar a Gabriela e o Guilherme. Aquela dor me assustava, mas logo entendi que era melhor acabar com ela do que continuar daquele jeito. A piada do pintinho explodindo vinha à minha cabeça sem parar. Quando vinha uma contração, a dor do expulsivo serviria justamente para empurrar a Stella, que já estava ali. Finalmente entendi para onde deveria empurrar e empurrei. Quantas vezes? Não sei. Três ou quatro. Ou seis. Sei lá. Foi tudo muito rápido. Com uma forte ardência, Stella nasceu às 5:37, com 49 cm e 3,150 kg. Parir é engraçado - um processo extremamente molhado que queima como brasa. Apesar disso, eu não tive laceração alguma - e nem episiotomia, cruzes. Pronta pra outra. 
    Deslizando como um peixinho, lá veio ela, Stella. Urrava tanto quanto eu. Meu corpo abraçou aquele corpo pequenininho e forte. Olhei suas mãozinhas, finas como papel, e senti o peso das 41 semanas passando por mim como um alívio. Guilherme disse que nessa hora toda a feição de dor passou e eu dei um sorriso profundo e inspirado. Poucos minutos depois ela estava mamando. Ficamos ali por algum tempo, nos olhando. Foi Guilherme quem cortou o cordão. E foi a Stella quem quis nascer, 25 horas depois, numa noite de meio de semana, com lua cheia e plena no céu. 
     A onda da ocitocina ainda durou algumas horas, nas quais não dormi - queria só falar, falar e falar. Diana disse que foi um "partaço" - o que seria um partinho, então? 

    A dor do parto? Lembro de horas seguidas de contrações que começavam com cólicas e iam até as costas. Lembro que elas cresciam. Lembro que me cansavam. Entretanto, a mágica de parir está nos intervalos entre essas dores. Uma contração dura algo em torno de um minuto de dor; depois desse minuto, é como se nada tivesse acontecido. Imagine uma grande dor, mas com pausas e descansos (eu queria que todas as dores fossem como essa!). Eu dormi várias vezes já em trabalho de parto. A dor vinha, eu contava até cem, ela passava. Dor? É claro que há dor. Mas o parto é como o mar: a dor vem, chega, aperta, e vai embora. A dor é uma onda. Cada onda não volta mais. Cada onda é uma a menos. Uma mais perto. O parto é dor boa. É a dor da vinda. É a dor da mudança, do acontecimento. E o melhor: a dor vai embora depois de tudo. Há dores que duram dias, meses, anos - essa, no meu caso, durou 25 horas. Depois, é só história para contar. Ali foi o início do maior amor do mundo.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

As últimas eternas semanas

   O corpo já está exausto de ser concha. As noites já são impossíveis. A sensação é de um misto de ansiedade, cansaço, impaciência. Depois de nove - ou 14329318 - meses, certas coisas já não dão mais tanto medo.
   A DUM previa que o nascimento da Stella seria ao redor do dia 12 de março. Entretanto, um dia tão longínquo estava... ficando para trás?! 

Novena para São Patrício em 16 de março.

    Ao optar por um parto normal, a ansiedade funciona como uma espécie de roleta russa, uma boa aposta. Eu nasci ao completar 38 semanas, mas o tempo possível para um nascimento a termo vai de 37 a 42. Durante essas cinco semanas, tudo pode ser previsto ou sair do imprevisto. Apressada que sou, decidi sair do trabalho às 38 semanas, ainda em fevereiro (se soubesse que o grande dia seria 20 de março, tinha trabalhado mais um cadinho...) e simplesmente me pus a esperar. Era carnaval e as probabilidades de esperar em casa (moramos em Santa Teresa) era pequena, pela dificuldade de uma saída durante algum dos bloco. É, pensamos de tudo para as primeiras semanas de março, quando ficamos acampados na casa da minha mãe. 
   Só que... fuen. Mesmo sabendo que ela poderia nascer até o fim do mês, cada dia contava. A minha ansiedade era especialmente ligada à licença maternidade da faculdade, que acabava no começo de maio. E nada de Stella. A barriga estava grande, redondinha. As contrações de Braxton-Hicks gritavam desde as 36 semanas. Mas nada de nada. Nada de dor, nada de bolsa romper, nada de grande momento. Um dia, no shopping, liguei para a madrinha da Stella: 

 - Oi, amiga, tudo bem?
 - Tudo, e você? Como tá a Stella? Tá vindo?
 - Ai, nada... e nós aqui esperando, mas nenhum sinal... dizem que a gente sabe quando é parto, né? Mas, aff, tô de saco cheio de esperar e nem saber pra quando vai ser... ah.. peraí, minha bolsa arrebentou aqui...
 ---- silêncio ---- 
- Calma, é bolsa bolsa, bolsa de carregar coisas.
- Ahhhh tá!

    Tava a esse nível, a coisa. 
    A verdade é que fomos murchando com os dias. O que era animação e promessa ("vai nascer no dia tal",
"vai nascer na virada da Lua, a Lua sempre traz bebê") foi virando francamente frustração. Nessa época, aprendi que a pior atitude é pressionar uma grávida - uma simples ligação para "saber se já nasceu" me desesperava. Sentia que eu estava decepcionando os outros e a mim mesma. Eu estava bastante frustrada e chateada com tudo, além de estar muito enjoada de carregar o barrigão (leia-se: não conseguir dormir, comer, respirar, etc). Só queria ficar sozinha, isolada
   A pressão também era externa. Finalmente arrumamos uma médica de plano que topava parto normal (yes!), só que ela garantia que só ia esperar até a 40ª semana. Parece que a indicação de espera de parto da OMS era 41 + 3. A data ia se aproximando. A cada consulta semanal íamos ficando mais chateados. Ninguém queria cesariana - nem eu, nem o Guilherme, nem as famílias. Apesar de exames constantes estarem perfeitos, havia a pressão de fazer uma cesariana "de urgência" caso a data X passasse. E nós esperamos. Embora eu já estivesse de saco cheio e frustrada, nós esperamos. Fiz de tudo - andei, corri, dancei. Dei uma volta na Lagoa com 40 semanas (visualizem). E nada.
  O pior de tudo era que eu estava insegura. Não havia dentro de mim uma voz que me dissesse para esperar. Quando eu falava com a Stella, perguntava porque ela estava demorando tanto. Eu estava triste. Sabia de histórias de bebês que simplesmente passavam do prazo previsto e entravam em risco por isso - e, meu Deus, essa é a última coisa que eu queria. Quando fechava os olhos, imaginava a quantidade de coisas ruins que poderiam acontecer. Naqueles últimos dias, tudo o que eu queria era parir. Parir parecia uma ótima ideia.
   O 41 + 3 dias tinha chegado. Dentro de horas, até o signo mudaria. Minha pisciana estava tão perdida que tinha se esquecido como sair e ia vir como ariana, veja só. Infelizmente, marcou-se a cesariana para o dia 19 de março, dia de São José. 
   Na noite do 18 para o 19, chorei. Chorei por ser jovem e saudável e ter que me expor a um procedimento duro como a cesariana sem aparente necessidade. Minha bebê era perfeita e estava bem, mas e se não estivesse? A culpa seria minha? O que deveria ser feito? 

 Stella, por que você não vem? Por que não nascemos juntas?

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A indústria do parto

    O post de hoje pode ser um pouco controverso. Gostaria de, antecipadamente, pedir desculpas caso algum dos leitores se sinta ofendido por alguma coisa. 

     Nasci de parto normal. Minha mãe conta que no dia em que completou 38 semanas de gestação, 5 de janeiro, ela não teve uma noite muito confortável. Pela manhã, ligou para o obstetra. Foi ao hospital escolhido por ela e, ao chegar, tinha 2 cm de dilatação. Às 15:22, eu nasci. Segundo a minha mãe, ela não sentiu dor física alguma. O parto foi tranquilo e sem complicações.
    Quando eu engravidei "de assalto", 21 anos depois, fiquei me sentindo culpada porque não haveria tempo hábil para mudar o plano de saúde. Tenho um bom plano e sou paciente de diversos bons médicos, mas logo entendemos que não se faria um parto normal com este suporte. Se eu quisesse um parto normal, haveria duas opções: o SUS ou um parto particular.
    O que parecia uma busca inicial preguiçosa se revelou uma realidade cruel. Durante as 41 semanas em que estive grávida, passei por muitos médicos (mais de 10, além do pré-natal no SUS), e a grande maioria me dizia que não fazia parto normal. O que é chamado "normal" se torna um desafio para muitas mães que simplesmente querem parir. 
   Surge a grande (e aparentemente, muito vantajosa (?)) opção: o parto de cesariana. É mais rápido, é menos trabalhoso. Parir? Parto normal? Não, isso é até perigoso. Vamos de cesariana, vai levar menos de uma hora e você vai ter sua filha nos braços! 
     Aos poucos, eu, no alto dos meus 21 anos, fui entendendo essa louca relação cultural e industrial que se criou em torno do ato de parir. Fui entendendo que: 

  • Há a cesariana de emergência, louvável e importantíssima, que salva mãe e bebê;
  • Há a cesariana eletiva, aquela que infelizmente é tão praticada por uma tríade (logo explico!) de elementos que fazem com que a mulher não acredite que é capaz de parir. No sistema particular, 8 em cada 10 partos são cesarianas. Isso quer dizer que 8 em 10 bebês correm o risco de nascerem fora de seu tempo, em condições que não são ideais para a saúde. 8 em cada 10 mulheres estarão marcadas para sempre com uma cirurgia invasiva, de barriga aberta;
  • Há o parto normal, feito por médicos em hospitais, conhecido como parto frank. Sabe aquelas pessoas que dizem que o parto é a maior dor que uma pessoa pode sentir na vida? (mentira!) Um parto que é via vaginal, mas, é realizado com uma série de procedimentos muitas vezes desnecessários. É muitas vezes aquele no qual a violência obstétrica acontece. A todas que sofreram desta violência, meus profundos sentimentos. O parto é uma coisa maravilhosa e nunca deveria ser realizado com descaso e agressão. Paro e penso - se entre violência obstétrica e cesariana, eu não teria feito 10 cesarianas? Sim. Procedimentos como episiotomias são comuns para muitos obstetras. O tal do sorinho com ocitocina é o que faz o parto doer tanto (a ocitocina sintética força contrações. O processo que deveria acontecer naturalmente é acelerado - contrações com intervalos menores fazem a dor chegar ao insuportável). Além disso, o desrespeito, a impaciência e até xingamentos não são muito incomuns aos meus ouvidos;
  • E, aaah, finalmente! Há o parto "humanizado". É triste que ele precise deste nome. É triste que mulheres sejam afastadas daquilo que poderiam fazer de maneira perfeita. O parto humanizado é aquele com o mínimo de procedimentos desnecessários. Ele é feito com respeito, procurando entender o que seria melhor à parturiente. Ele pode ser feito no hospital ou até em casa, depende do que for eleito pela família. Eu tive um parto humanizado e 25 horas desde a primeira contração dolorosa e o final - e, francamente, tatuagens já doeram mais. Depois eu conto.
Amém.

     Talvez o fato de que tantos partos frank sejam realizados impulsione essa indústria das cesarianas. Se as mulheres tivessem a certeza de um parto normal bom e somente positivo, as coisas poderiam não estar como estão atualmente no Brasil. O cenário é mais ou menos assim:

  • Planos de saúde pagam pouco aos médicos, sejam eles de quaisquer especialidades. Seja para atendimentos em consultório ou procedimentos, a conta acaba sempre por não fechar como se esperava. Para se dedicar a um bom parto normal, uma equipe precisa de pelo menos algumas horas - o plano de saúde pagará estas horas? Valerá a pena realizar partos normais? 
  • Os médicos, sabendo da questão financeira, se profissionalizam na cesariana. A grande maioria dos obstetras particulares só querem fazê-la - é mais rápida, é atualmente mais comum, é mais previsível. Com uma cesariana marcada, um médico consegue ter o tempo que quiser, aparecendo só na hora necessária. Feriados e até finais de semana são poupados. Dias antes da Copa do Mundo, centenas de cesarianas foram realizadas em hospitais - aqueles bebês estavam mesmo prontos para nascer? 
  • E, por fim, os próprios hospitais vão na onda. Na relação de oferta e demanda, poucos têm salas de parto normal - salas com chuveiros, piscininhas, bolas de pilates (enfim, para se parir, espaço é uma boa pedida). No hospital em que eu pari, havia uma sala de parto normal. Em diversos nos quais eu estive, não havia sequer uma. Foi difícil encontrar uma soma boa de médico, hospital e plano de saúde.
      E assim vai o ciclo.
     As mulheres, influenciadas por comentários negativos sobre o parto normal e pressionadas pela indústria da cesariana, acabam se decidindo por uma cesariana. E se dizem muito, muito satisfeitas no final. Afinal, parto normal é uma coisa ultrapassada. Parto normal alarga a mulher. Parto normal? Coisa de maluca, ficar ali, gritando e suando por horas. Sentir dor? Eu morro de medo de dor (dizem as tatuadas). Acontece que, nessas meias verdades, os bebês se prejudicam. Inúmeras são as vantagens de nascer no tempo previsto, de maneira voluntária. No fim, parir é até fácil perto de toda a busca que fizemos atrás das melhores condições para fazer algo natural, que todas as criaturas fazem.
   O que eu tinha medo (e ainda tenho) é de, pasmem, cesariana. Eu não quis operar, entendam. Não quis que me abrissem e me arrancassem um bebê de dentro de mim. Não quis carregar uma cicatriz já aos 22 anos. Morria de medo de - ah! - um dia acordar e me dirigir ao hospital, porque aquele seria o dia do nascimento da minha filha. Isso, para mim, é absolutamente aterrador. Sou muito ansiosa. Acho que eu ficaria semanas sem dormir pensando sobre como poderia ser. Quando eu fui para o hospital, já estava com 6cm de dilatação e sem medo algum - como sentir medo se a onda da ocitocina já começou há muito tempo?
    Espero que, com os anos, os hospitais voltem a apresentar condições decentes para partos normais. Que os médicos reaprendam a fazer partos e que busquem isso em suas carreiras, pelo bem dos bebês (eles, enquanto conhecedores do assunto, deveriam ser os primeiros a defender as vantagens de um PN). Que os planos de saúde mudem todo esse sistema corrompido. Que as mulheres reencontrem a vontade e o poder de parir.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Top 5: os melhores e piores comentários da maternidade

    Se você parar para escutar, uma das coisas mais reveladoras da maternidade é a miscelânea de comentários vindos dos outros. Perguntas, conselhos e opiniões fazem o papel de faca de dois gumes: além de nos fazer pensar antecipadamente sobre seu conteúdo, mostram o que se passa na cabeça de seus locutores. As pessoas depositam muita ansiedade sobre a maternidade/paternidade alheia; tudo o que dizem (e a grande verdade é que as pessoas sempre vão ter algo a dizer) é baseado naquilo que viveram ou viram. Ao fazer comentários, elas nem sequer percebem que estão exibindo o que pensam e o que sentem. É importante lembrar que tudo o que dizem é problema dos outros, e não seu.
      A gravidez, período no qual estamos frágeis, sensíveis, sonhadoras e até inseguras a respeito de tantas coisas, é um longo período de bombardeamento de comentários. Alguns nos soam ridículos de cara; outros nos deixam a pensar por algum tempo; outros são verdadeiras lições de vida que podemos levar para sempre. Depois que a Stella nasceu, continuei recebendo conselhos, úteis ou inúteis. A grande diferença era que o meu filtro é atualmente bem maior, já que eu já passei "para o outro lado" e me sinto mais confiante para tomar decisões e atitudes. 
     Aqui está uma coletânea de piores e melhores comentários que ouvi - agradeço àqueles que me disseram as coisas boas e vejo que tiveram boas experiências. Que bom!
     Você nunca mais vai dormir. Gente, isso é a maior mentira deslavada! O que acontece é que se dorme diferente. Tirando os primeiros dias (nos quais realmente o sono é um terror, para mãe e bebê), todos vão dormir o que dormiam ou até mais. A diferença é que o sono fica picotado (as noites da Stella duram, no máximo, 5 horas diretas. Depois, ela acorda para mamar, mas volta para dormir de novo). Mas, sinceramente, para quem ficava cinco horas por dia na faculdade, estagiava, estudava em casa, saía e passava a noite fora, acho que me deitar à meia noite, dar umas acordadas e me levantar às 9h está bastante bom. Eu perdi mesmo foi na qualidade do sono. Raramente dormi como uma pedra. Geralmente durmo um sono leve, pronto para despertar (mas a preguicinha de levantar continua a mesma). 
  Você vai ficar dois anos sem sair de casa. Calma, gente. Nesses cinco meses de amamentação exclusiva, eu saio para trabalhar e estudar. Além disso, já fui à praia, ao cinema, ao Maracanã durante a Copa do Mundo, à Lapa, jantar com o Guilherme. Com organização, tudo se ajeita. É claro que não se sai tanto quanto (em frequência ou intensidade), mas não vamos exagerar... 
   Você não está pronta para ser mãe. Que cruel, hein? Já falei disso aqui.
   Você não vai mais ser a Laura. Vai só ser mãe da Stella. A maternidade não foi feita para apagar ninguém; não é calvário e nem martírio. A personalidade de uma pessoa não deveria desaparecer; ela pode mudar, mas preferencialmente vai se firmar ainda mais. Além disso, eu não me anulei. Ainda sou a Laura, estudo, trabalho e tenho meus sonhos e projetos. A Stella é prioridade, mas isso não quer dizer que eu precise deixar tudo o que deveria fazer.
   Mas você não sabe nada de crianças! Como vai criar uma? (kirida, eu conheço o Google) O que mais me ensina a ser mãe é a convivência com a própria Stella. Como eu digo para ela: eu não sei nada sobre bebês, mas sei tudo sobre você. A insegurança que eu posso ter tido se torna infundada diante dela. Além disso, o fato de ser um mamífero me ajuda a fazer coisas básicas tipo parir, amamentar e dar carinho. 



     Foi muito bom para mim ser mãe jovem. Difícil de engolir? Pois é. Mais de uma pessoa me disse essa mesma frase. Acho que ela se trata da vida como um todo. A verdade é que mulheres que se tornaram mães antes dos 25 chegam aos 40 realizadas em muitas coisas - filhos "criados", boa situação de trabalho, carreira sem interrupções, ganhando um bom dinheiro. A fase de construção já passou, agora resta aproveitar. São mulheres que vivem a vida, viajam e se divertem com a jovialidade e maturidade aos 40. Para mim, que tenho 22, a boa coisa de ser mãe jovem é que eu tenho bastante energia para a Stella e todas as tarefas - e vou ficar bastante tempo com a minha filha durante a sua vida. 
   Passa tão rápido, né? Queria estapear quem me dissesse isso nos primeiros dias. Cara, os primeiros dias são insanos. Cada minuto conta - de sono, de choro, de fome, de cansaço (de nossa parte, também). Aqueles dias que passavam como instantes acabaram e agora, todos os instantes exigem atenção, dedicação e cuidado. Mas! Caramba, já se passaram cinco meses. Minha noção de tempo se alterou. Os dias são longos, mas cada mudança da Stella é o que passa rápido. Ela tem microfases (movimentos, tons de voz, gritinhos, caretas) que duram nada além de semanas. Tudo tem que ser registrado, senão passa e a gente se esquece, mesmo. Já temos saudades da Stella recém nascida, Stella pequeninininha. 
   O mundo está povoado. Adoro essa frase. Ela quer dizer que, pura e simplesmente, não precisamos ser perfeccionistas ou experientes enquanto mães e pais. Crianças crescem mesmo se você não esterilizar todos os brinquedos ou não souber como trocar fraldas. 
   Pense na Lagoa Azul. Essa é boa para mães de primeira viagem. Sabe aquele filme de Sessão da Tarde, "A Lagoa Azul"? Em certo ponto da história, aquele casalzinho que vive no meio do mato tem um filho. E é isso. A gravidez, o parto, a amamentação, tudo!, se passa como que naturalmente. A frase quer dizer que não devemos nos basear ou até nos impressionar com famílias alheias. Lembro que eu via outras mães e pensava que jamais seria capaz de fazer um terço do que faziam - e veja só. Depois de ouvir isso, se tornou meio que um mantra pessoal ao qual eu recorro quando necessário.
    Tudo vai passar. Essa eu até digo quem me disse: foi o duende de jardim da capa do disco do George Harrison. Essa é a maior verdade absoluta da vida. Tudo passa, até a vida em si. Portanto, nada de se descabelar (por mais de vinte minutos) acerca de qualquer problema ou situação. Mãe de um bebê pequeno, posso ver que a condição de mãe é para sempre, mas a própria maternidade vai mudar muitas e muitas vezes. A Stella cresce a cada dia e as condições se alteram; eu aprendo com ela e ela comigo. A maternidade não deve ser uma condição massacrante ou escravizante para ninguém. 


O que ninguém me disse (decidiram me dizer muita, muita coisa negativa): você vai sentir o maior amor que poderia sentir.

domingo, 10 de agosto de 2014

A paternidade de Guilherme

    Um corpo estranho se forma. Passo a passo, aquilo que era do tamanho de um grão de areia vai tomando forma - cabeça, tronco, membros. Mãozinhas. Durante meses inteiros, as mulheres estão à mercê de todas as mudanças de uma gestação. Sentindo cada variação na própria pele, uma mãe se desenvolve com o seu ovinho. E como não? Nos preparamos para receber o espetáculo, seja pelo lado bom ou pelo lado ruim. 
    E lá está o pai, do lado de fora, como um peixe fora d'água. 
   Quando eu estava grávida, eu achava simplesmente sensacional o fato de uma mulher ser exposta a uma tamanha quantidade de novidades (hormonais, inclusive) durante o "estado interessante" e o pai ficar fora da festa, como um espectador. Sorte e azar. Como o pai desenvolve essa consciência? O que ele sente? Como ele vê tudo isso? Sexta, no Globo Repórter. 
   Eu juro que não fui uma grávida mimada, embora pudesse ter sido (talvez ainda possa ser). Não tinha requisitos alimentares e não ficava de dengo. Porém, havia do outro lado um interesse sobre o que eu sentia, física ou psicologicamente: um pai já havia ali. Guilherme e eu nos aproximamos ainda mais durante o processo, e eu gostaria até de ter aproveitado mais. Depois de um filho, toda a dinâmica de um casal se altera completamente. Mas algo muito precioso é conquistado. Para sempre. 
   O Guilherme é extremamente carinhoso com a Stella, e isso é muito gratificante para mim. Filha de pais separados, eu definitivamente não formaria uma família com um homem que não se interessasse e que não tivesse estes valores. Eu mesma sou bem mais desapegada e egoísta que ele. Em seus meses de vida, Stella ainda não sabe o que é um pai distante e nem eu (e ele está naquele movimento inverso de se tornar o pai que fica em casa com as criançãs enquanto a mãe sai para trabalhar). Ele se tornou peça indispensável de tudo. Com a sua ajuda, eu não me sinto cansada. Temos nossas diferenças, mas estamos muito voltados para a nossa filha. Eu acho que é assim mesmo. Algo se perde, ainda que momentaneamente, para um casal; algo se ganha, espero que para sempre, para uma família. Quando paramos e nos damos conta do que estamos fazendo, sentimos felicidade. Este é um tempo do qual nós dois vamos sentir falta.


    O pai sempre gostou da Stella. Desde a minha barriga. Desde quando a minha barriga nem aparecia. Ainda hoje ele me abraça pela barriga, como se ainda houvesse um bebê lá. Suas palavras carinhosas e brincadeiras sem graça nunca foram sem jeito. Os dois partilham da intimidade que é necessária e muito temida por tantos pais. Guilherme teve pouquíssimos momentos de estranhamento, vergonha ou timidez com a filha. A filha é dele, e é isso. Ele sempre deu banho, trocou de roupas, pegou no colo, conversou com ela. Minha mãe o chama de "pãe" - e que alegria eu carrego! Sinto que acertei na mosca. A paternidade talvez já estivesse nele, só que antes ele não tinha filhos. Só assim fica tão natural. 
    No primeiro dia dos pais do Guilherme, espero dar de presente (e à Stella) uma relação proveitosa e duradoura. Já que o pai não gesta, não pare e nem amamenta... que alguma coisa aí sirva de compensação :)     
    Feliz dia dos pais para todos!

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Educação: é boa e eu gosto, mas tá em falta

    Quando eu estava grávida, uma das coisas que mais me incomodava era a bendita hora de pegar transporte coletivo. Andar no Rio de Janeiro aos 7, 8 ou 9 meses de gestação, período de janeiro a março, poderia ser uma prova de amor a qualquer coisa que estivesse do lado de fora de casa. Jurei a mim mesma milhares de vezes que não engravidaria novamente antes de ter um carro. Mas, devo admitir, o lado bom era que as pessoas me davam o lugar (o reservado ou qualquer outro). Ué, mas esse não deveria ser um direito da gestante, assim como é de um idoso, deficiente e etc?

Depois de saúde, felicidade, boa sorte, etc, o maior sonho de uma grávida.

     Deve haver algum lugar neste mundo no qual as gestantes sejam identificadas antes que tenham barrigas enormes. Nisso eu acredito, nisso eu tenho fé. Japão, Noruega, Canadá. Porque no Rio, ah, pode se preparar para reclamar. As outras condições que dificultam a locomoção podem ser mais visíveis (embora os velhinhos sejam vítimas dessa queixa à educação, ou ode à  falta de), mas é aquela grávida de poucas semanas que mais exige atenção. 
    Apesar de não "aparentar", uma gestação de primeiro trimestre é aquela que mais guarda riscos para a mulher. Além dos clássicos enjoos e indisposições, é durante essa fase que muitos cuidados especiais devem ser tomados, como proteção a doenças e o começo do controle de condições como a diabetes e a hipertensão. O que isso tem a ver com ônibus lotados? É durante esse mesmo período que a mulher corre mais risco de ter um aborto espontâneo. Lembremos que, no comecinho, um feto é nada mais que um corpo estranho ao corpo materno, e este pode rejeitá-lo caso o sistema imunológico não se adapte à nova condição. 
    Estou sendo pessimista? Tudo bem, mas essa pode ser a fase mais desagradável. Uma grávida pode simplesmente querer um lugar para se sentar e ar fresco. Porém, ao entrar num ônibus lotado, ela não terá evidências "físicas" para pedir um lugar no banco amarelo. E aí? E lá, no banco amarelo, ao invés de alguém que tem o direito de estar ali, está alguém sem nenhum tipo de condição especial. 
     No começo, eu ficava triste. Fazia cara de sofrimento. Passava a mão na barriga. E nada. Só ganhei 9kg na minha gestação e as pessoas passaram a me dar lugar só aos 6 ou 7 meses - quando a indisposição passou, veio a barriga, redondinha que só. Até lá, foi muito chá de (sic) ônibus lotado. Ficava imaginando um jeito de fazer as pessoas se conscientizarem, especialmente essas que ocupam cadeiras especiais à toa - cartazes, camisetas informativas, campanhas políticas. Na minha cabeça, eu seria uma vereadora das grávidas. Ai ai. Quando via uma senhora sendo grossa com uma dessas pessoas, pedindo corretamente o lugar para sentar, eu vibrava silenciosamente. Até que um dia foi comigo - uma velhinha beem velhinha me falou "você é uma garota, por que está no lugar especial? Me deixe sentar". Eu amarrei a cara, falei "deixo, porque a senhora tem o direito" e me levantei. Debaixo da minha bolsa de trabalho, estava uma Stella de 8 meses nadando na minha barriga. A senhora ficou meio sem jeito e pediu desculpas, dizendo que se soubesse, teria pedido o lugar a outra pessoa. Depois, fiquei pensando. Ela deveria reclamar em praticamente toda viagem de ônibus com garotas como eu - ou quase.
     Eu, que já não me sentava numa cadeira especial antes, nunca mais voltei a ocupá-las depois da minha gravidez. Ninguém com consideração ao próximo deveria fazê-lo. Parece básico dizer isso, mas muitas pessoas burlam regras sociais tão simples. Cedam o lugar, esse gesto faz a diferença.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

É peito, peito e peito!

    Estamos na Semana Mundial do Aleitamento Materno - e essa é definitivamente uma das partes mais desafiadoras e legais de ser mãe de um bebê. 
   Tenho que confessar que nunca me pareceu ser algo digno de preocupação. Quero dizer, somos mamíferos, não é mesmo? O natural seria simplesmente amamentar, né? O que eu não sabia é que essa relação entre mãe e bebê (especialmente no período de amamentação exclusiva, até os seis meses de idade) é especialmente peculiar, podendo ser inclusive problemática. Por outro lado, é muito, muito, muito gostosa.    
   Primeiramente: para mães de primeira viagem, os primeiros momentos de peito são difíceis. Se a Stella fez a pega certa? Ora, aparentemente sim. Ela mamou nos primeiros quinze minutos de vida, e foi rotulada como uma verdadeira bezerra desde então. O bichinho é esfomeado e até hoje mama quase sempre que há oferta.


Blurp.

   Eu tive colostro desde mais ou menos o sexto mês de gravidez. Ok, por aí. O que foi realmente assustador para mim se chama apojadura - um momento propício para jogar a toalha, penso eu. Imagine: lá está você, ainda se recompondo do cansaço do parto, inundada de emoções desconhecidas, com um bebê pequeninininho que quer mamar tipo o tempo inteiro. A oferta de colostro está fluindo. Aí, um dia, você acorda e é a próxima capa da Playboy (juro que me senti assim quando levantei e estava magricela e muito, muito peituda). Parece bom? Muito sexy, mas, isso doi. Dá febre, se bobear. E pinga. Muito. Se eu tivesse me organizado melhor (me sinto culpada por isso), teria doado garrafas e garrafas de leite para o IFF. Lembro de ficar acordada durante a madrugada entre uma mamada e outra ordenhando, sabendo que se eu dormisse, a dor do ingurgitamento no dia seguinte seria grotesca. 
    Esse é o momento da troca de leites, digamos assim. O que era colostro - o primeiro leite, lotado de anticorpos e com muitos nutrientes - é substituído por leite materno, o mesmo que é produzido até o desmame. É o sinal de que o bebê nasceu e o corpo materno entendeu isso. Por isso há toda essa preparação dolorosa para um período que pode durar meses ou até anos. A boa notícia: isso dura dois ou três dias. Ou seja, passa. 
    Depois disso, veio um terceiro momento, para mim o psicologicamente mais difícil: a dependência do bebê para com a sua mãe. Lembra aquela história de ficar sem sair de casa por meeeeses depois do nascimento? Sim! Ele vai precisar de peito a qualquer momento. Sem essa de rotina de aleitamento para um bebê muito pequeno. Conseguir colocar mamadas mais ou menos a cada 2h na Stella quando ela tinha 2 meses (porque eu precisei ir para rua e estudar) e foi bastante difícil. Um bebê tem um estômago bem pequeno e uma digestão bem rápida, o que quer dizer que eu amamentei 10 ou 12 vezes por dia durante muitas semanas - o que pode ser cansativo e até irritante. No primeiro mês, dar uma saída de 30 minutos exigia uma verdadeira operação. Dormir era até divertido, quando acontecia. E a opção de "vou tirar um dia para mim", "vou dormir até mais tarde", etc não existe. A mãe sou eu, né. A boa notícia: isso se acerta. Hoje, aos 4 meses, a "livre demanda" da Stella já está em torno de 3h em 3h, e às vezes dormindo noites de 7h diretas. Ou seja, passa. 
     O quarto momento (o que eu estou agora) é aquele em que há uma leve emancipação entre mãe e bebê. É bom poder sair todos os dias; chato é sair por mais de três horas e, ao invés de amamentar o meu bichinho, deixar o leite no congelador. Stella é tão esfomeada que pegou a mamadeira sem nem pensar em deixar o peito. Mas é uma chatice necessário. Mesmo trabalhando e estudando, ela continua em amamentação exclusiva - e vai ser assim até os seis meses de idade, como deve ser, de acordo com o Ministério da Saúde. 
    O que mais passa? A amamentação exclusiva. :( E eu já estou com pena. Eu gosto muito de amamentar, apesar de reconhecer que exige bastante. Porém, vejo que há muito mais do que alimentação no leite materno: há apego, amor, sorriso. É lindo quando estou amamentando e a Stella para o que está fazendo, olha para mim e sorri. Sei que estou fazendo o melhor pela minha filha , provendo-a nutrição e saúde. E eu quero amamentar muito, até quando a Stella quiser. E meus outros filhos. Amamentar é tudo de bom. 


    A minha falta de neura ao amamentar se deu por um mero fato: preocupadíssima com o parto, nem me lembrei de certos fantasmas de muitas mães (e nem ouvi as pessoas chatas, só faço cara de alface e sigo amamentando com muito prazer). Nenhum deles me assombrou. Se você é/vai ser mãe, um breve guia de pedras no sapato da amamentação: 
1 - Meu colostro desceu na 26ª semana de gravidez, mas isso não é regra. Algumas mães já param por aí, ficando assustadas com a "ausência de leite" pré-bebê e pensam que não serão capazes de amamentar. Mas: o corpo é inteligente. Se ele foi capaz de produzir um bebê, ele será capaz de produzir leite. 
2 - A apojadura é cruel, mas passa. Há bebês que estranham a diferença de pressão (imagine que a torneirinha disparou - a coitada da Stella vivia engasgando), mas isso não quer dizer que eles não gostem mais do leite. É só um momento de adaptação. 
3 - Quando nasce, embora tenha instinto, o bebê ainda não é profissional em mamar. Muitos bebês fazem a chamada "pega errada" (podem passar semanas mamando errado e até perdendo peso) e alguns machucam as mães. Sei de histórias bem feias que envolvem bicos sangrentos. Não desistam! Procurem ajuda, há hospitais e profissionais especializados em amamentação e seus problemas. 
4 - A grande magia: para ter leite, é preciso amamentar. Vejo muitas mães dizendo que "o leite não desceu" ou "o leite é fraco" (?) Tirando pouquíssimas excessões, todas as mães produzem leite completo para seus filhos. Sem problemas, sem neuras. 
5 - Sei lá, acho que por comodidade - para dormir uma noite inteira, para evitar essa rotina de dependência - muita gente simplesmente abre mão desses momentos preciosos (eu até acredito numa conspiração entre pediatras ruins, mães com outros interesses e a indústria de leite artificial! Por exemplo, quando eu era bebê, tinha uma máxima de que se o bebê não dorme, o leite é fraco: leite artificial neles! Assim ele vai dormir...). Insista. Não deixe o cansaço te vencer. Você vai sentir falta depois - nem que seja de poder ter custo zero com a alimentação de um filho.
6 - Tropeços na hora de voltar à vida corriqueira: por falta de opção ou por praticidade, muitas mães atropelam o tempo natural de seus filhos, dando alimentos antes dos seis meses. Insista. Se houver dedicação e um jeito, vale a pena a alimentação exclusiva até os seis meses. 

  Amamentar, para mim, é empoderamento. Exige determinação, dedicação, disponibilidade. O que deveria ser natural mexe tanto com o sono/alimentação/rotina e se torna um verdadeiro desafio. Mas ê, coisa boa! Nada melhor do que uma garota esfomeada em minha direção. Feliz semana do peito!

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Parte II: Trabalhar, maternar, vencer

     Contei outro dia aqui como consegui ter minha filha durante a faculdade e sem parar de estudar. Porém, como boa formanda, eu preciso ter uma ocupação - um estágio, um emprego formal ou um trabalho autônomo. Fui, como a maioria dos alunos, pelo caminho do estágio... ops! Acontece que a lei do estágio não concede licença a mães - o que quer dizer que sim, quando a Stella nasceu, eu estava no maior olho da rua. 
     Mas calma, nem tudo está perdido (mais uma vez). Aliás, que sorte que tive. Estagiando em Furnas, tive a fortuna de encontrar uma boa equipe e uma chefe que entendeu a situação e que resolveu me chamar de volta após o tempo de uma licença normal. Trabalhei até a 38ª semana de gestação (e se eu soubesse que a Stella só nasceria com 41, teria trabalhado até o fim) e fazia de tudo para não faltar por conta das consultas do pré-natal. Ou seja: vida normal.
   No mês de julho de 2014, justamente 4 meses depois do parto, eu voltei à mesma sala do Escritório Central de Furnas. Mal acreditava. Aquele plano ousado de trabalhar, estudar e ter filho tinha se cumprido. A peteca não caiu.
     A opção por continuar estagiando foi bastante estratégica. Ao invés de me lançar a um emprego de verdade que provavelmente me tomaria 8h diárias, o estágio levava 4h e pagava justo o suficiente (quando você tem filho, aquelas regalias tipo sair-comprar coisas supérfluas-passear-viajar se afastam por um tempo) para manter a nossa casa funcionando. Além de tudo, eu gosto do que faço por aqui. Melhor impossível.
     Um dos meus grandes temores antes da Stella era justamente ter que parar de trabalhar. Como fui mãe cedo, a minha situação formal ainda não estava certa (e ainda não está, na verdade). Tive medo de me embolar nas funções e ter um rombo no currículo grande demais para sustentar um bom emprego no futuro. Na profissão de administrador, atualmente, boa parte das grandes oportunidades exige algo a mais - pós graduação, estágios e trainees em boas empresas. Como seria? Na corrida do bom emprego, os meus colegas de turma não tinham parado por um ano... ou dois... ou três...


Stella já faz parte do calendário de Furnas.

     Observando as outras mães, vejo que muitas mudam suas trajetórias por conta dos filhos. Atualmente, o Brasil carrega essa nova classe de "desempregadas" voluntárias. Muitas mulheres saem do trabalho por opção própria com o objetivo de ficar mais perto da prole, remanejando suas situações para uma produtividade mais caseira e/ou empreendedora e ficam bastante satisfeitas. Outras, infelizmente, são levadas a uma espécie de desemprego compulsório; sem condições para deixar alguém com os filhos (no meu caso, essas alguéns são as santas avós, senão o pai, que é metade do tempo home-officer), essas mães deixam seus postos para fazer o que ninguém mais faz melhor. 
    Entretanto, vejo que existe uma parcela de mães entre esses dois tipos: aquelas que carregam insegurança em relação ao retorno. Como eu digo, àquelas que trabalham (e gostam), a hora de voltar é sempre e nunca. Nunca, já nos parte o coração ficar longe das crias; sempre, para que também uma mulher adaptada não se perca, se ela sente vontade de trabalhar. 
   Quando chegou o meu momento de voltar, me agarrei à Stella. Porém, depois de dias de puro sofrimento, pensei que tinha que fazer o melhor por todos nós - e eu não estou falando de pagar contas. Sabe aquela frase "quando nasce uma mãe, nasce a culpa"? Eu tive o entendimento oposto. Se eu me tornasse uma mulher sem trabalho (coisa que não supooorto - adoro trabalhar), a Stella poderia crescer me vendo frustrada. Afinal, os meses vão passar e ela mesma vai se ocupar, seja na escola, em cursos ou atividades. Penso que a realização dos pais faz parte da realização e da segurança das crianças. Vejo o quanto o trabalho da minha mãe é importante para ela e faz parte de sua conduta, seu posicionamento na vida. Temos que dar exemplo. Como eu tenho o privilégio da ajuda dos outros, dá para conciliar tudo. 
    Recomendo às mães que gostam de trabalhar e têm essa possibilidade: não parem. Tudo se acerta e existe uma hora "certa" para cada coisa. A culpa passa assim que começamos a nos sentir bem com nossas funções novamente.

sábado, 2 de agosto de 2014

A brava mãenina

     Volta e meia aparece uma menina grávida. Midiáticos que somos, gostamos desse tipo de notícia. Uma manchete que inclua um nome, baixa idade e a palavra "grávida" nunca passa incólume - acho que é condição de nosso tempo, ser fofoqueiro com tudo. Passado o choque (se a grávida é conhecida, o choque é maior ainda), alguns sentimentos podem vir: pena, repulsa, escárnio. Aquela ideia invencível de "comigo não".
     Dia desses veio a notícia de uma das integrantes do Bonde das Maravilhas estava completando seus quinze anos enquanto gestava o primeiro filho. No Facebook, a reação é clara: engravidou? É pobre, funkeira, estava até demorando para engravidar. Vi todos os comentários. Pensei.
     Embora haja uma boa diferença entre 15 e 21 anos (a idade que tinha quando engravidei da Stella), eu claramente não pensava em ter filhos antes dos 25, pelo menos. É o clássico plano: você se forma na faculdade, viaja bastante, estuda mais um pouco, arruma um bom emprego. Conhece alguém. Demora anos para ir morar junto ou até se casar, já que precisamos ter certeza na vida, né? Aí, se engravida. Só aí. O Guilherme, que tem 31 anos, tem a grande maioria de seus amigos (obviamente bem mais velhos do que eu) ainda num desses estágios. Conhecemos pessoas de 30 anos ou mais que não estão nem querendo sair da casa dos pais. A essas pessoas, uma notícia de gravidez precoce pode soar muito, muito impressionante. E: se a menina do Bonde das Maravilhas engravidou aos 15, que justificativa eu, de classe média, estudante de faculdade e instruída tinha para engravidar aos 22?
     Peço uma coisa: quando avistarem uma menina grávida, respeitem-na. É INCRIVELMENTE difícil fazer algo que vai contra a cultura de um povo. Pode ser gratificante, mas sempre é difícil e pode causar sofrimento. Muitas mulheres têm filhos durante a vida e cultivam essa vontade desde jovens - e são elas que também olham para as precoces com escárnio, preconceito, pena.

Stella em suas 39 semanas de forninho.


     Uma mãe pode surgir aos 15, aos 22, aos 30, aos 40. Assim como pode não surgir. Idade não determina coragem ou capacidade para nada. Aos 22, vejo que alguns planos se alteraram por causa da vinda da Stella, mas não me olhem como se eu tivesse perdido alguma coisa. Um filho é um ganho. Só se perde quando se quer perder.
     Passei a minha gravidez um pouco triste, esperando reações negativas das pessoas. Boa parte delas nem soube da Stella antes que ela chegasse ao mundo. Sabia que me julgariam. Cheguei a ouvir que a minha gravidez era um "mau passo", como se a minha vida estivesse fadada para sempre. Peço, não julguem. Respeitem as grávidas (inicialmente porque são grávidas) e porque tiveram a coragem de se assumir assim. É difícil criar um plano B a tudo aquilo que nos é imposto - essa ordem de viver - e se há esse plano B, uma mulher não perderá nada. Ser mãe é se reinventar e sempre ser capaz de fazer o que parece ser impossível.      
     Todo o tempo que passei "envergonhada" pelos outros por estar grávida está sendo compensado pela qualidade de cuidados dados à Stella e pela felicidade em nossa relação. Aos 22, tenho energia para fazer tantas coisas. Minha filha é criada pelos pais, em nossa casa, que pagamos com o nosso dinheiro, do nosso trabalho.

     A todas as mãeninas: vocês têm a minha admiração.