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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Como (não) amar o (meu) corpo (pós-parto)

Lemos recentemente o relato de Carolinie Figueiredo acerca da aceitação do corpo pós-parto. O texto, como muitos outros que leio, me fez pensar. Mas não consigo estar insatisfeita. Por mais que eu não esteja me recuperando de um segundo parto (o qual acredito que o impacto deve ser ainda maior), continuo erguendo as mãos para o céu por ter o meu corpo comigo.
Quando eu estava grávida, ficava buscando encontrar uma definição visual para a infinidade de coisas que eu sentia. Estar grávida é algo tão poderoso e tão forte que em poucos momentos eu consegui ficar à vontade. Não dava.

O CARACOL
Inicialmente, me sentia vigiada. A gravidez nos acende alertas que nunca se apagam. De repente, o meu corpo - aquele que dormia mal, comia mal, trabalhava e estudava, saía, viajava, andava de bicicleta, aquele que estava lá para ser usado e abusado, porque é isso que nós, jovens, fazemos - deixou de pertencer a mim. Só a mim. O meu corpo virou um lugar de preservação. Virou templo de silêncio e disciplina. Qualquer deslize era motivo de culpa. Tive que me policiar para tomar café da manhã diariamente, para não abusar do sono ou da fome, para não me expor a ambientes, hábitos e odores, para não fazer exercícios demais, para não fazer exercícios de menos. Meu corpo era lar de uma outra pessoa. Deveria ser observado e cuidado. Era como se eu tivesse perdido a liberdade sobre uma das poucas coisas que era realmente minha. A imagem que me vinha à cabeça era de um caracol, que carrega em sua concha todo o mundo e verdadeiramente tudo o que precisa. Alguém entrou dentro da concha desse caracol. Alguém mexeu em sua casa. Por mais que o caracol ainda estivesse ali, como ele se relacionaria com a sua casa?

COMO SER VELHO
Com o tempo, a sensação deixou de ser só emocional e passou a ser física. O corpo crescia semana após semana. Quando eu engravidei, aos 21 anos, pesava aproximadamente 48kg. Era leve como uma pluma e ágil como o vento. Entretanto, a gravidez me conferiu um peso sutil como um elefante que me fez mais lenta, cautelosa. "Quando você é velho, tudo vai ficando inacessível". A frase de um tio meu coube como uma luva para os meses que passavam. As coisas que antes fazia sem nem pensar foram ficando fora de mão. Ao final dos nove meses, até me abaixar era difícil. Deitar de bruços. Correr. Andar com rapidez ou um mínimo de graça. Ganhei apenas 9kg. Com eles, o peso de uma enorme responsabilidade.

CARREGANDO UM DIAMANTE
Aos 4 meses de gravidez, fui assaltada. Desses assaltos comuns que nós, cariocas, estamos infelizmente acostumados. No início da onda atual de pivetes-arrastões-cordões, um menino puxou a minha corrente. Eram nove horas da noite e eu e Guilherme estávamos no centro da cidade, esperando para atravessar a rua. Vi três moleques se aproximando. Nenhum deles deveria ter mais do que dez anos de idade. Os vi, mas por um momento duvidei que me fariam mal. Eram crianças. Crianças. Como aquela que eu carregava. Baixei os olhos. No segundo seguinte, leves mãos me vieram ao colo e me tomaram um cordão com um pingente, um Agnus Dei. Naquela noite, não só perdi meu cordão. Perdi também minha invencibilidade. Até ali, eu era a garota que andava-em-todos-os-lugares-sozinha-de-noite. Nada nunca tinha me acontecido. Entretanto, dali para frente, me dei conta de como eu era vulnerável. Meu coração se acelerou. Lembrei da minha barriga. Guilherme saiu correndo atrás do moleque. Eu também corri, mesmo sabendo que não deveria correr. Ou correr de noite num lugar perigoso. Ou ter taquicardia. Desse dia em diante, nunca mais tive sossego no Rio de Janeiro. Não deveria mais me expor a situações como aquela. Ora, sou mãe. Nada deve acontecer contra a minha filha. Nada deve acontecer contra mim, já que minha filha depende de mim.

VIGIADA PELOS OUTROS
Mais ao final da gravidez, a vigia passou a ser interna e externa. Todos tomam conta de uma grávida. Eu não queria que ninguém tomasse conta de mim. Tá comendo bem? Dormindo bem? Aproveita, você nunca mais vai dormir. Por que você está tomando sol? Ou não está? Por que está comendo doces? Por que está bebendo refrigerante? Não, não curto ser notada, obrigado.

Ao final, eu apenas queria minha filha no meu colo e meu corpo de volta. Sentia falta de ser magra, ágil e bonita. Deus, eu me sentia tão feia (lembrando que 50% do que faz uma pessoa ser feia está em sua cabeça). Tão pouco feminina. Era um poço de cansaço e ansiedade. Rezava para que o dia seguinte fosse logo o dia de parir. Adoraria parir! Parir me parecia bem menos cansativo e frustrante do que carregar aquele barrigão.
E foi, realmente. Parir é lindo.



 Em seguida, lembro-me de três específicos momentos:
Abraçar o Guilherme pela primeira vez sem barriga; 
Deitar-me de bruços pela primeira vez sem barriga; 
Ver-me no espelho uma semana depois do parto, magra novamente.

 Lembro-me do conforto, amor e até lascividade desses três momentos. Sim. Eu era eu novamente.

Tenho um momento guardado, um momento que tenho todos os dias: Ter a minha filha no colo; abraçá-la, beijá-la, amamentá-la.


 Por mais que meu corpo não esteja 100% no lugar (ainda sinto falta de coxas maiores e minha barriga definitivamente mudou), ele é meu. Todo meu para usar e abusar. Todo meu para que eu faça com ele o que achar que deve ser feito. E isso não tem preço e não merece queixa. Se me queixo, é charme. Só eu me habito.